“Então, aí se criei pra cá né. Eu nasci lá pro lado do Recife. Ela que contava. A gente não sabe. Quando eu tava trabalhando na roça ela falava. Minha mãe que criou eu. Ela trouxe eu pra cá. Essa Londrina aqui nem era Londrina. Ali onde tem a Santa Casa, ali era um mato. Nós tirava lenha ali. Ali no cemitério [São Pedro] era uma chácara. Tinha uns boi. Nós morava tudo ali pra baixo perto daquele igapó. Lá não era igapó não. Era um brejo. Chama água do cambézinho. Aí depois nós trabalhou só no sítio. Minha mãe morreu e eu fiquei sozinha. Eu fiquei de casa em casa. Aí depois quando eu já tava com dezessete anos, eu morava num sítio bem pra lá do igapó. Um dia eu tava ruim de vida. Já vivia ruim de vida. Pra lá e pra cá na casa dos outros. Um dia eu arrumei um trem. Parecia que era um homem. Parecia um bicho bruto. Pensei que ele prestava daí eu peguei e fui morar mais ele. Nós se casou no padre mesmo.
Depois era um homem que não valia nada. Homem bêbado. Só vivia os trinta dia do mês bêbado. Judiando. Batendo na gente. Rasgando as roupas dentro de casa. Queimando tudo. Fazendo nós trabalhar pra ele beber cachaça. Saia correndo no meio do pasto. Ele era do jeito de um cavalo. Saia correndo assim: piriri, piriri, piriri, no meio do pasto. Era um bicho né.
Aí depois eu arrumei esses meninos comigo. Tenho três filhos. Eu tenho um auxílio de doença só que também eu pago aluguel. Ajudo meus filhos que é tudo pobre. Não estudou porque o homem era que nem um bicho e não deixava os menino estudar não. Era pra trabalhar e carpir café pra ele pegar o dinheiro e beber cachaça os trinta dia do mês. Ô, se não trabalhasse ele dava cada cassetada. Ele não chamava os menino de filho não. Só chingava. Precisa você ver que vida que nós passou. Fome, fome, fome. Passava dez, dozes dias. Eu ficava morrendo de fome. Trabalhava dia e noite. Pegava aquelas migalhas. Eu já comi lixo sabe. Eu tava com a barriga grande pra ganhar uma menina. Essa menina morreu, nasceu morta. Aí eu saia assim no meio da roçarada. Onde o povo tinha ponhado os milhos. E eu há uns dez dias de fome. A gente mais nova ainda aguenta né? Eu sai naquela roça caçando espiga de milho podre, enfiada no chão. Eles araram a terra e o milho ficou enfiado no chão. Aquelas espigas de milho tudo podre. Cheia de bicho. Batia aqueles bicho num pau. Batia a terra. E caia aquele monte de bicho, tudo andando. Uns bicho amarelado, né? E eu comi aqueles milhos, com aqueles bicho tudo. Tinha um cavalo comendo uma espiga de milho lá no meio também. Milho podre. Bem preto. Eu catei da boca do cavalo. Olha, eu tava mais com fome do que o cavalo.
Olha, eu já passei cinco seis dias sem cozinhar nada no fogo. Sem sal. Sem nada. Eu quase morri de fome. Eu ficava assim. [Ela gira a cabeça como se estivesse tonta] Depois não dá fome mais.
Agora estou com 80 anos. Eu tenho vontade de comprar uma casa pra um filho meu morar. Ele trabalha, trabalha, trabalha que nem um doido com essas pinturas assim. Só que ele paga aluguel. Nunca tem comida direito. Essas pinturas não dá nada também. Só dá doença. Pendurado nessas corda quase caindo lá embaixo. E sai daqui pra Santa Catarina pintar esses prédios pendurado. Quase caindo lá de cima.
Eu pensava assim ó. Eu pensava só isso. Desde quando eu tava no sítio. De eu arrumar um dinheiro. Comprar uma casa. Uma casa bem pequenininha. Que tivesse pelo menos dois quartos. Pra mim. Meu filho e minha nora. Ela tem um filho que tem problema. Quando meu filho… [ela começa a chorar]… quando meu filho adoecer, a gente ficar doente, quem que vai pagar aluguel pra ele? A mulher é nova. Tem quarenta e poucos anos mas tem problema na coluna.”

JP – LONDRINA – JULHO DE 2016

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