“Ricardo Morais da Silva, 37 anos, sou artista de rua. Trabalho com percussão e artesanato, de uns cinco anos pra cá mais com percussão. Hoje eu tô aqui na [Avenida] Paulista. É isso aí, qual que é a pergunta? Sou nativo de Iporá, uma cidadezinha bem no interior de Goiás. Moro em São Paulo desde 80 e poucos, 85. As principais dificuldades que encontro pra ser artista no Brasil? Todas. Até o que o próprio artista de rua – o que se diz artista de rua – faz com o outro. Não sei se dá pra ver, mas eu tô com um olho roxo agora. Cheguei aqui de manhã pra expor e o cara começou a me agredir, dizendo que em um outro momento a gente tinha brigado, mas na verdade no momento que ele achou que a gente tinha brigado ele tava bêbado, e hoje de novo bêbado, e aí eu fui me esquivando na medida do que deu, mas não deu, né, no fim. Quero continuar aqui. Eu conquisto todo dia, não tem sonho maior que o dia que eu acordo. Todo dia é o mesmo sonho, continuar aqui. Se me oferecerem um cachê pra gravar, fazer show, eu pego o cachê, vou me agilizar, mas vou continuar na rua. A rua eu não vou abrir mão. Aqui é a maior vitrine, o maior portal de acesso pro ser humano. Mesmo com chutes e pontapés, da polícia, já apanhei de todo mundo, da polícia, de artesão, de maluco… A polícia dizia que a gente não podia trabalhar, eu não tava roubando, não tava traficando, meteram o spray de pimenta. Eu não sei que mensagem eu daria, porque hoje é tão ambíguo, tem tanta gente suja e podre aí na rua, entendeu? Se fingindo, se travestindo de artesão, se diz maluco, alternativo e libertário… Mas 50% deles são tudo viciado, dependente químico, álcool, drogas e a porra toda. Não tenho mensagem nenhuma, cada um faz o seu julgamento. Ninguém vai entender o que eu tô falando porque cada um tem a sua vivência, e quem consegue influenciar no outro é Rede Globo, SBT. Só não julgue, eu diria, vai lá e veja qual que é. Eu fiz Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí, de 96 a 2006. São dez anos estudando percussão, bateria, como você mesmo disse eu tenho toda essa estrutura pra tá no palco, ganhando três “paga” por show, tocando três vezes por semana, mas por ora eu tô bem contente com meu olho roxo e com meus cinquenta reais, setenta reais por dia aqui na calçada. Porque é só aqui que eu posso acessar o ser humano de verdade, eu nunca vou conhecer as pessoas lá no palco que eu tenho a oportunidade de conhecer aqui. Eu sou música instrumental brasileira, Hermeto [Pascoal], Egberto [Gismonti], Itiberê Orquestra Família, Trio Curupira, eu sou folclore, eu sou Brasil. Charlie Parker eu sei que existe, mas não sou jazzista, sou brasileiro instrumental. Tanto que eu nem faço nada com nada, cê pode ver que o meu som não é nem brasileirinho, não é jazz, não é nada, é isso aqui. As pessoas tão carente de tudo, que o mínimo que você oferece já… Isso aqui é o mínimo que eu posso oferecer agora, poderia trazer uma puta bateria, ia rolar um som que qualquer um faz. Eu fui batera comercial, mas desisti do comércio. Fui pra rua. É na rua que eu quero tá, é a rua que me liberta, é a rua que me prende. Eu não tenho crença, sou um cara totalmente agnóstico… Mentira, eu acredito no Sol. Tira o Sol por nanosegundos, quem que vai poder dizer alguma coisa? Jesus, Buda, Krishna? Mais um guerrilheiro aí, existiram, e eu também, tô aqui, guerrilhando por mim, e nem por isso eu vou ser crucificado por trezentos mil anos. Mas é isso, cada um julga pela sua ideia.”

JP – SÃO PAULO – OUTUBRO DE 2015

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