Reprodução twitter @sitgesfestival

Bacurau, novo filme dos diretores pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, segue empilhando prêmios nos festivais por onde passa. Neste sábado (12), foram anunciados os vencedores do Festival de Cinema de Sitges, na Espanha, e o longa brasileiro levou a melhor em três categorias: melhor direção, prêmio da crítica e prêmio do jurado jovem. O filme já fora premiado em Cannes, Lima e Munique, além de ter sido nomeado para outras cerimônias.

O balneário mediterrâneo de Sitges, na província de Barcelona, aporta há 52 anos o que é tido por muitos como o festival de cinema de gênero mais prestigiado do mundo. As duas sessões de Bacurau, na manhã e na noite da última terça-feira (8) levaram um grande público à principal sala do festival. Foi a primeira exibição do filme na Espanha, que no Brasil é sucesso de bilheteria, registrando mais de 600 mil espectadores com sete semanas em cartaz nos cinemas.

GÊNERO

Entre histórias sanguinolentas de zumbis, bruxas e vampiros, o cinema de gênero nos últimos anos tendeu a abarcar filmes mais reflexivos, alegóricos, alinhando as distopias idealizadas na tela com a realidade sociopolítica global. São elementos concretos de Bacurau. A trama retrata uma comunidade precária, mas coesa, no sertão do Pernambuco, que passa a conviver com ataques estrangeiros – iniciados quando o vilarejo literalmente some do mapa.

As cenas de violência despudorada nos choques entre os dois grupos renderam, do público em Sitges, uma reação calorosa, de torcida, que por fim resultava em catarse quando os invasores sucumbiam ao povo de Bacurau. A cena do diálogo “Você quer viver ou morrer?”, da boca de um dos habitantes prestes a revidar o ataque dos estrangeiros, foi uma das mais ovacionadas pela plateia. Mas para o crítico brasileiro João Moris, que cobriu o Festival, o filme não se resume a isso.

“Esperava que Bacurau fosse muito mais gráfico na violência e fiquei feliz que os diretores não carregaram nas tintas. Isto não anestesiou o espectador e nem esvaziou o conteúdo crítico, como vejo acontecer em muitos filmes. Acho que, por ser uma alegoria, os diretores poderiam ter ido para qualquer lugar, trilhado qualquer caminho e apelado para uma carnificina muito maior no final. Mas Bacurau tem tudo no lugar. A gente percebe que o filme foi meticulosamente elaborado, cada cena criada ou enxertada tem uma razão de ser”, aponta Moris.

CONTEÚDO

Em certa medida, o filme poderia estar falando contra justamente o público presente no Festival: quando não estrangeiros, brasileiros de fora do Nordeste, ou, mais especificamente, os sudestinos. Nesta inversão semântica, com a qual não se está acostumado no Brasil, reside um dos grandes triunfos – e originalidades – de Bacurau, como destaca João Moris: “Muitos diretores de países periféricos são formados em escolas europeias ou americanas e acabam sendo ‘cooptados’ por produtores desses países, que por mais abertos que sejam, acabam exercendo uma influência nos realizadores. O resultado é que, muitas vezes, esses diretores passam uma imagem edulcorada de seus países ou usam uma linguagem ‘ocidentalizada’ em seus filmes para serem exibidos em festivais e ficarem bem na fita com todo o mundo. Quero dizer, a representação da realidade contaminada com um olhar que não é local. Acho que Bacurau conseguiu não cair nessa armadilha.”

Herdeiro da tradição cinematografia brasileira clássica ao tentar construir, na tela, o mito da identidade nacional, o filme celebrado em Sitges, por ironia, é contemporâneo de um presidente apelidado por seus eleitores de Mito. No tocante à questão do cinema, Jair Bolsonaro chegou a anunciar, em julho, ser favorável ao fechamento da Ancine (Agência Nacional do Cinema), que fomenta e regula o mercado no Brasil. O presidente recuou na declaração, mas nem tanto: defendeu a nomeação de um nome “terrivelmente evangélico” para comandar o órgão, além de encaminhar um Projeto de Lei à Câmara que prevê cortes de até 43% no orçamento do Fundo Setorial Audiovisual.

Na última década, a Ancine promoveu uma política de descentralização da produção cinematográfica brasileira, antes concentrada no eixo Rio-São Paulo. Com isso, ganharam força polos em Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e, entre outros Estados, no Pernambuco, de Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles e a pequena, mas autêntica Bacurau, celebrada dentro e fora do Brasil.

Veja o trailer

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