“Ágatha é a quinta criança morta por bala perdida em 2019 no Rio”. A manchete do Jornal Correio do Povo, de 23 de setembro, reproduz um discurso perigoso feito por autoridade, imprensa e já incorporado pelo senso comum. O discurso de alguém – criança ou adulto – que perdeu a vida por causa de uma bala perdida.
Ágatha, Kauan Peixoto, Kauan Rosário, Kauê Ribeiro e Jenifer Cilene, todos com idade entre 8 e 12 anos, foram mortos no Rio de Janeiro, neste ano. Segundo a reportagem do Correio do Povo, as crianças “não resistiram aos ferimentos causados por balas perdidas”. Vamos combinar? Não existe bala perdida.
A quem interessa o discurso de que alguém foi morto por causa de uma bala perdida? Principalmente a quem disparou essa bala. Portanto, o projétil saiu de alguma arma seja a de um bandido seja a de um policial. E esse é o problema. Essa bala está assinada no crime e marcada pela violência. Essa bala está manchada pelo erro e cravada pela incompetência.
Bandidos não cumprem a lei, não seguem a norma, não respeitam regras. É por isso que são criminosos. Não se espera boa coisa deles. E quando a polícia age como bandido e – continua como bandido – para esconder seus erros? No caso da menina Ágatha no Rio de Janeiro, cerca de 20 policiais invadiram o hospital para pegar a bala que matou a menina.
Se a bala é perdida mesmo por que pegá-la, senão para evitar que se torne prova de um crime praticado por um agente do estado? Felizmente, os policiais do Rio não conseguiram pegar a bala que matou Ágatha. A revista Veja informa que “apesar da pressão exercida pelos PMs, a equipe de médicos e de enfermeiros de plantão se Bala recusou a entregar […]”
A bala não é perdida e nessa confusão conceitual, feita de propósito, esconde-se o dono da bala que é inventada por autoridades e disseminada pela imprensa. A bala perdida é do bandido ou é da polícia. Ela tem nome e sobrenome. Se fosse perdida, a bala não encontraria alguém. Se fosse perdida, a bala não mataria. Por isso, essa bala tem dono, que mata e que se esconde atrás do rótulo da bala perdida.