“Mais de dez ano, irmão. No veneno lento. Lá em Marília. Tive no cadeião de Ourinhos também, quando era cadeião, hoje é CR [Centro de Ressocialização]. O baguio era feio, put* que las merd*… Meu nome é Ademar Ferreira. Sem o Silva, que meu pai tirou. Sei lá o porquê. José Aparecido Ferreira da Silva o nome dele. Antes de morrer, tirou. Vish, faz muito tempo isso. Tô com 45. Eu sou de Ourinhos, minha mãe tá lá, acredito que esteja viva ainda. Faz mais de oito anos que eu não vejo ela. Nesse tempo eu tava em Maringá, daí pulei pra Londrina. A última cadeia que eu tirei foi em Caiuá, divisa de Mato Grosso com São Paulo, fiquei um ano.
– Mor, nóis vai se internar, depois da entrevista nóis vai se internar!
Eu e a minha muié, a Nilda, tamo pensando em ser internado, pra largar o vício. De vez em quando a gente puxa uma droga, cê entendeu, na humildade? A gente não quer mais. Vixe Maria, amor, vai fechar com um ano que nóis tá junto, né? Um ano. Conheci ela aqui em Londrina. De Maringá pra cá eu procurei ajuda, fui no Bom Samaritano, tava eu e mais uns companheiro que veio de Maringá comigo, aí pá, fiquei aqui e tal, fiquei rodado. Aí conheci ela aqui. Ela era prostituta, cê entendeu? Falei pra ela: ‘Deus não quer isso de você. Tô aqui pra te ajudar, você ajuda eu. Sai dessa vida, cê merece’. Graças a Deus tô conseguindo, ela tá de pé comigo. A Nilda nasceu aqui dentro de Londrina, lá na favela da Vila Mariza. No miolo do inferno, cê entendeu? Ela nasceu lá. Foi ou não foi, amor? Eu não vou ficar nessa vida. Cara, pegaram minha carteira… Arrancaram uma tábua, chegaram por trás, cataram minha bolsa, meu tênis Adidas, tudo. Porr*… Nóis dorme na rua. Qualquer lugar que você vê uma marquise, nóis tá entrando dentro. Em lugar que chove, nóis tá entrando dentro. A cadeia? É esquisito. Não podia ficar dentro do barraco. Toda dia cê tinha que sair pro lado de fora. Se você ficasse preso, lá dentro, cê tava no seguro. Cê tá no convívio, tem que sair pra fora, se você tiver devendo alguma coisa pra alguém, tem que colocar a bola no chão. Mano, não devo nada e tal… É o seguinte, é Deus e nóis. Todo dia. Às vezes eu conseguia fazer minha rede de descanso. Mas se ia pro pátio, não tinha como, os cara jogando bola, pá, aquela correria toda… Não tinha como pendurar minha tarrafona ali no meio. Mas ali era assim, quando saía pro pátio, era quatro, cinco, seis banho no dia. Água gelada! Ali perto do Mato Grosso é gelada… No lombo do cara. Meu sonho é poder tá num lar, cê entendeu, poder ter uma vida mais tranquila. Essa vida aqui pra mim é turbulenta. Eu não, mas ela tem filho. Tem até neto!
– Tenho três filho. Falo de vez em quando. Os demais não gostam, mas a mais velha me dá uma força.
A filha dela me chama de pai, cê acredita? Viu, faz uma semana que nóis não usa crack. Nóis tamo correndo pra vazar desse negócio.”
JP – LONDRINA – JANEIRO DE 2016