Romantização da desigualdade

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Foto: reprodução.

Esta imagem circulou pelas redes sociais nesta semana.
Um jovem sem uma perna, com muletas a entregar comida de um aplicativo.
Vi essa imagem em um post de um economista e apresentador de TV, que incentiva o rentismo com seu capital especulativo.
Não darei o nome, nem o endereço do post para não fazer palco para quem não merece.

Também não citarei o nome do jovem da foto, que não é o enfoque, já que é mais um entre milhões.
O que proponho é refletir sobre alguns comentários na publicação do tal economista.
__Nossa! Que lindo! Inspiração total.
__Determinação… atitude.
__Quem quer arruma um jeito, quem não quer arranja uma desculpa.
__Lição de vida para todos.
__Um exemplo de vida.

Primeiro, isso não é inspiração. É desespero.
Segundo, não é determinação. É necessidade.
Terceiro, não é um jeito. É o jeito que sobrou.
Quarto, isso não é lição de vida. É desigualdade.
Quinto, você seguirá esse exemplo de vida?

E pensar que muita gente aplaude esse tipo de imagem, concorda com o governo federal que quer desobrigar o empresário a contratar mão de obra de pessoa com deficiência.
E pensar que muita gente aplaude esse tipo de imagem é favorável ao corte de programas de assistência social, saúde e educação.
A romantização da desigualdade gera mais desigualdade porque falseia a realidade.

Ninguém deveria entregar comida – de muletas – para sobreviver.
Ninguém deveria andar a pé longas distâncias para poder estudar.
Nenhuma mãe deveria ter dois empregos para sustentar a casa e os filhos, abandonados pelo pai.
Nenhuma pessoa deveria fazer vaquinha para pagar tratamento de saúde porque o SUS não cobre.
Nenhuma pessoa deveria pedir ou vender algo no sinaleiro, porque perdeu o emprego.
A romantização da desigualdade gera mais desigualdade porque tira a responsabilidade do estado de cumprir o seu papel.

É fácil falar em inspiração para os outros, quando se tem o básico.
É fácil falar em determinação para os outros, quando se tem – também – o supérfluo.
É fácil falar em arrumar um jeito, quando se herdou coisas da família.
É fácil falar em lição e exemplo de vida, quando a própria vida ofereceu tudo sem esforço.
A romantização da desigualdade gera mais desigualdade porque trata os desiguais de forma igual.

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