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Mulas: “um soco no estômago”

Margem da palavra

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o exercício do jornalismo possibilita ao autor de mulas um contato intenso com a realidade que ele transforma em literatura. retratos da américa latina usurpada desde muito só eram possíveis por meio da escrita ficcionada. daí os outros povos acreditarem em realismo mágico. é tão doída a vida por aqui que é melhor pensar que os autores-repórteres inventavam coisas nos anos mais terríveis da ditadura militar, que abana de novo suas negras asas…

o livro de taques acaba de sair a público pela editora Kan. homem vivido por aquelas bandas, luiz descreve fronteiras: divisas geográficas entre brasil e bolívia, nuances finas entre liberdade e dignidade, prazeres sexuais e violências no mundo das drogas. mulas é  “um soco no estômago”, como diria clarisse lispector sobre a vida real.

literalmente “um soco no estômago”, local do corpo humano propício para transportar cocaína. pelo estômago morre o pai dos gêmeos. pelo estômago sua viúva é convencida a continuar o sustento da família à troco de luxo barato.

com a bolivianinha de puerto suárez, o buraco é mais embaixo. estuprada pelos policiais que apanharam sua carga no trem, ela se vinga ao transmitir HIV. pela vagina também se carrega a droga. mulas“usadas para iscas, no intuito de despistar consideráveis carregamentos de cocaína […] a bordo de voadeiras, contêineres, helicópteros ou teco-tecos – os donos dos carregamentos, de colarinho branco, em nenhuma circunstância, iam em cana” (p. 72).

horrores da vida na fronteira. só mesmo um repórter como taques daria conta de descrever os disparatados absurdos que revoltam o leitor. e mais não digo, porque  mulas é de doer na alma. Como disse o jornalista Edson Moraes no prefácio: “Haverá sempre um ‘mula’ permeando o vão entre a coluna social e o obituário da indigênia”. a novela está sendo vendida apenas pelo  e-mail novelamulas@gmail.com.

Luiz Taques é autor do infantojuvenil A História de Zé Vida de Barraca (1977); dos volumes de contos O Casamento Vai Acabar com o Poeta (2002); Bebinho, Mamadinho e o Velório de Bafo de Alho (2008) Vaso de Colher Chuvas (2008); dos romances Pedro (2013) e Um Rio, Uma Guerra (2016) e com José Maschio o livro-reportagem Crônica de Uma Grande Farsa (2013).

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