No balneário português de Cascais, onde passou dois saborosos meses de 2019 desfrutando o Prêmio Residências Internacionais de Escrita da Fundação D. Luís I, Michael Cunningham se revela apaixonado pela vida do homem comum: “Não existem vidas triviais. […] A história de cada um é uma história épica”. Parece que é esse o tom da narrativa do norte-americano nascido em 1952, graduado em Literatura Inglesa, na Universidade de Stanford.
Muito além da busca pelo sentido da vida, os personagens de Uma casa no fim do mundo desejam segurar nas mãos a plenitude do momento presente. Romance de Michael Cunnighan, escrito em 1990, relançado pela Cia das Letras, com tradução de Isa Mara Lando, reverencia experiências alternativas dos anos 60; o pós-Wodstock e a triste explosão da AIDS nos anos 80.
O texto embala a luta constante pela formação do ninho, do espaço de acolhimento. Do local que completa e contempla a alma descompassada. Um lugar para construir uma casa, uma família, mesmo que uma família atípica e fadada à mesmice cotidiana. Ou, como diria Wallace Stevens, no poema que antecede a história: “[…] Buscando a paisagem certa, onde ele estaria completo numa completude inexplicada […]. Não é o caso da vida real do autor. Cunningham vive uma relação estável com Ken Corbett, companheiro há duas décadas, a quem ele dedica Uma casa no fim do mundo.
Numa urdidura brilhante e metafórica ele entrelaça fios vulgares do cotidiano. Mostra uma mãe da classe média que: “Lavava os sacos plásticos usados e os pendurava no varal para secar, uma fileira de mequinhas águas-vivas domésticas flutuando ao sol”. Escrito há quatro vozes, o livro está dividido em três partes: infância, adolescência e vida adulta de Jonathan e Bobby. Da loucura tímida de dois garotos na pequena Cleveland, Estado de Ohio – EUA, à vida desregrada e anônima do estilo novaiorquino, a história aprofunda-se no período da maturidade e dos planos de um futuro enigmático, onde o medo da finitude persegue cada instante vivido.
Clare e Alice estabelecem a direção do romance e da vida dos dois personagens principais. A energia feminina parece algo encantador vista pelo ângulo gerador de detalhes que confeccionam os dias. Mas seu avesso é a força maternal castradora que manipula sutilezas.
Uma casa no fim do mundo – expansão literária do conto “White Angel”, premiado e incluído, no Best American Short Stories, em 1989 – recebeu o Pulitzer para ficção, o PEN Faulkner e o Prêmio de livros com temática GLBTT, em 1999. Transformado em linguagem cinematográfica em 2004, com direção de Michael Mayer e adaptação do argumento do próprio Cunningham, não fez muito sucesso. No elenco Colin Farrel, Robin Wright Penn, Dallas Roberts e Sissy Spacek. Vale a pena espiar. Trilha musical regada a Laura Nyro. Home at the end of the world.
O brilhantismo do escritor só ganhou a mídia depois que As horas, filme de 2002 – estrelado por Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman – recebeu muitas indicações ao Oscar. Cunningham escreveu As horas em 1998, assumindo seus vasos comunicantes com Mrs Dalloway (1925), de Virginia Woolf, a dama da literatura inglesa que o deixou enfeitiçado desde a adolescência.
Uma casa no fim do mundo, tradução de Isa Mara Lando, selo TAG, Companhia das Letras, 2ª edição, 387 páginas, 2019. Golden states (1984), Laços de sangue (1995), Dias exemplares (2005), Ao anoitecer (2010) e A rainha da neve (2015) são outras das ficções mais lidas de Cunningham.