ao recorrer às lembranças, marco polo, descreve para o imperador mongol, as cidades do grande império conquistado. assim, kublain khan, neto de gengis, confere os limites do poder. o viajante guarda cidades em seu império particular de memórias.

assim também o poeta-jornalista conta sobre “portas, janelas, calçadas, bares, armazéns, farmácias, quase todos os lugares, mas muitos, muitos, para nos encherem de balas, pirulitos, docinhos caseiros, guloseimas e sonhos” n’as cidades e seus cúmplices.

de bernardes, no interior do brasil,  a cáceres da espanha, monteiro olha o passado num presente de literatura rápida, materializado em crônicas ao andejar pelas cidades. curitiba arrancou o poeta de londrina, mas não cinzou de frio o coração quente do pé vermelho, nem a paixão pelo coringão (trinta vezes campeão paulista de futebol).

as cidades e seus cúmplices fala de um tempo onde estão guardadas as músicas dos beatles, pessoas de bom viver e as paixões pela profissão: “desde minha primeira reportagem (e lá se vai meio século), fui ouvir e continuo ouvindo as pessoas. quando escrevi o título – ‘esse homem, seus olhos e sua máquina contam a história de Londrina”, depois de entrevistar José Juliani, o primeiro fotógrafo da cidade, tive certeza desse grude”, confessa o repórter.

nilson poeta guarda o sons dos quintais: “ai nas minas gerais, nos cafundós das montanhas, em goiás, nos sertões desta terra, ainda há galinhas cacarejando em pir-co-ró-có cor???”. mas também denuncia os horrores da vale do rio doce em mariana. os mesmos horrores que mataram, de novo, pessoas e memórias de brumadinho, deixando cada vez mais fragilizados os que sobram. as famílias desfeitas pela lama mineira ainda aguardam indenizações que acalmem a dor da perda das cidades e de suas gentes.

esse livro do nilson, publicado ano passado pela editora banquinho, é relembrado agora pela necessidade de cronicar afetos sobre praças, igrejas, casas e calçadas que compõem a arquitetura por onde fluem cidadãos.

semana passada a notre dame ardeu em chamas, mas estará recomposta antes do previsto pelos técnicos franceses. o museu nacional do rio de janeiro, destruído pelo fogo há muito, ainda caça escombros. memórias quase tão fantásticas quanto as que marco polo inventa para kublai khan n’as cidades invisíveis, de calvino.

imagens retidas no olhar do viajante, que logo não se lembrarão de sua origem especular. ou como diria nilson monteiro “as cidades são pessoas. o resto é farofa”.

nilson monteiro, número 28 da academia parananese de letras, viveu em Londrina entre 1964 e 1986. publicou, além de mais de mil páginas jornalísticas: Curitiba vista por um pé vermelho (1992), Simples (1984), Pequena casa de jornal (2001), Mugido de trem (2013) e Livro aberto (2018).

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