Beleza é o que cada ser possui de único. É o que diz Maria Alice depois de longos rodeios feitos com muitas palavras que ao serem escritas perderam o encanto. Esse encanto está na confiança que esta mulher transmite a cada afirmação. Com seu sorriso largo e olhos viajantes pelo próprio ser, Maria Alice, de 19 anos, descreve as lutas e vitórias de sua existência enquanto mulher. Mulher negra.
O entendimento da jovem sobre o conceito de beleza começa em Curitiba, uma das cidades mais racistas onde Alice já morou. Segundo ela. O entendimento se inicia ao não se identificar como uma menina princesa. Aquela que é magra, branquinha, delicadinha. Ao não receber notas altas dos meninos que avaliavam a beleza das garotas.
Alice gosta de falar no diminutivo dessas mulheres, não porque as vê como inferiores, mas porque é alta e as vê de cima, por possuir ombros largos, quadril avantajado e cabelo armado. Traços que ela (hoje) encara como características naturais e belas, de sua raça.
Hoje, Maria entende as diferenças entre uma mulher branca e uma mulher negra. A sociedade a fez entender desde seu nascimento. Sua vó a fez entender quando a rejeitou por saber que ela é negra. Suas tias, mesmo negras, riram de suas tranças e não a ajudaram no processo de descobrimento da identidade. Seus pais viam a vontade de mudar como uma rebeldia da adolescência.
E talvez fosse rebeldia mesmo, ela estava cansada. De saco cheio de alisar o cabelo desde os 6 anos de idade. Exausta de odiar cada parte do seu corpo, de se comparar com um padrão que nunca ia alcançar. Afinal a exigência era ser branca e ela não era. Aos 13 anos, raspou o cabelo e se propôs a descobrir o que era ser ela. O que era ser bela.
Ir morar na cidade de Resende, no Rio de Janeiro, facilitou esse processo. Lá, Maria se sentia incluída. Pela primeira vez, a maioria da gente era negra. As mulheres importantes da cidade eram negras. O que a inspirava. Fatos que não resolviam suas questões.
Maria Alice lidava diariamente com a descoberta de si. Tentava esquecer do dia que cortaram seus cachos na sala de aula, tentava encontrar algum momento em que viu alguém como ela conquistando um bom partido, um coração apaixonado.
As comédias românticas não eram protagonizadas por mulheres negras. Mulheres negras não eram princesas, portanto Alice não entendia que merecia o melhor, como as princesas brancas mereciam, em relações amorosas. Mesmo após a aceitação de suas características físicas, a jovem se viu em relacionamentos racistas, que tentaram silenciar a sua identidade.
As pessoas que ela mais amou tiveram vergonha de apresentá-la para a família. Pediam para prender o cabelo, tirar o batom. Criticavam seus traços singulares e acabavam sempre com a mesma frase. “É que você é diferente né?”. Por fim, Alice mais uma vez volta seu foco para suas raízes, compreende que o diferente é, como sempre, o racismo.
Enquanto Maria Alice conta sua história, seu atual namorado a espera no apartamento a poucos metros de distância, atual em todos os sentidos. Segundo a jovem do riso largo, ele não está, como grande parte dos brasileiros, ligado ao período escravocrata. Ele ama cada curva do seu corpo e não a enxerga apenas como corpo, mas compreende cada batalha que ela teve que enfrentar. E ainda enfrenta, para não modificá-lo.
Maria conta que pela manhã ela se olha no espelho e dá bom dia para a mulher maravilhosa que vê. Realça o que a agrada e ignora o que não está muito legal naquele dia. Não tem mais medo de ser uma mulher negra com direito a todos os detalhes de uma mulher negra. Impõe o poder que descobriu que tem. Não se deixa abalar por quem se incomoda com sua presença, com sua força.
A nova fase de Alice não está ligada ao fato de ter encontrado um amor decente, mas de nunca ter desistido de encontrar o amor próprio. Um amor que engloba desde os seus antepassados até suas semelhantes, a quem ela procura ajudar com a própria história. Um amor que foi impedido de nascer na infância, foi interrompido na adolescência, mas que apesar de todas as pedras encontrou terra fértil. “Eu sou sim uma mulher negra, e aceito com orgulho todas as características dessa denominação”, finaliza Maria. O desejo é que as flores de Maria Alice e, de todas as mulheres, mulheres negras, nunca sejam impedidas de crescer.
Fotos: Gabrieli Chanthe/Jornalismo Periférico