A publicação de informações vazadas, pelo site The Intercept Brasil, de conversas entre o então juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato, coordenados por Deltan Dallagnol, soma-se à convicção de que o juiz usava a 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba para promover o lawfare: usar o estado e seus mecanismos de repressão para perseguir quem considera culpado. Não adianta desviar o foco para o suposto hacker. As informações têm de ser investigadas porque envolvem, além da primeira instância, desembargador do TRF4 e três ministros do Supremo Tribunal Federal. Além do The Intercept, as mensagens foram investigadas pela Folha de S.Paulo, revista Veja e Reinaldo Azevedo/BandNews.
Muito antes das revelações do site, protagonizado pelo jornalista Glenn Greenwaald, advogados de defesa de réus da Lava Jato, juristas e professores da área de Direito já apontavam irregularidades cometidas no âmbito da operação. Sugiro a leitura de artigo do jurista e professor de Direito Constitucional Lenio Streck, para a Revista Consultor Jurídico, com o sugestivo título “Juiz não é sócio do Ministério Público nem membro da Polícia Federal”. Atentem-se à data: 26 de março de 2016. Portanto, três anos antes da Vaza Jato como ficou conhecida a série do The Intercept.
Também de três anos atrás, a reportagem do portal UOL (03/04/2016) apontava que “Documentos indicam grampo ilegal e abusos de Moro na origem da Lava Jato”. Portanto, a promiscuidade – e ilegalidade – da operação Lava Jato não é novidade para quem se informa além do Jornal Nacional e busca informações, principalmente na mídia independente e nas publicações especializadas. As provas do The Intercept se somam às convicções.
Resumindo, a Lava Jato coleciona – desde seu início – de atuação irregular como condução coercitiva ilegal, vazamento de escuta clandestina, prisão preventiva para forçar acordos de delação, manipulação de termos de acordo de delação, deflagração de operações em consonâncias com o calendário político, operações espetacularizadas com apoio da mídia tradicional, vazamento seletivo de informação de processo em sigilo, combinação de penas, celeridade de julgamentos não respeitando a fila dos processos, decisões para cooptar a opinião pública, entre outros.
Agora, as conversas entre membros da Lava Jato mostram que o juiz Sérgio Moro, que mandou prender Lula, que interrompeu férias para orientar a manutenção da prisão de Lula, que renunciou para ser ministro do governo Bolsonaro, funcionava como uma espécie de chefe da força-tarefa, tendo um Deltan Dallagnol submisso. Essa relação é ilegal porque coloca o juiz como parte da acusação, retirando-lhe a imparcialidade e a isenção para proceder o julgamento do réu. Pior que a injustiça, somente uma justiça parcial. No primeiro caso, pode ser erro. No segundo, sempre será direcionamento.
No clima de intolerância e ódio instalado no Brasil nos últimos anos, os fatos acima servem para incendiar conversas, que terminam em bate-boca e troca de agressões. De um lado, “comunistas” e do outro, “fascistas”. Nesse ambiente beligerante, perdem todos principalmente sangra a democracia. Quando a sociedade avaliza o desrespeito à lei para perseguir quem considera inimigo, esse mesmo expediente pode se voltar contra todos.
Dois argumentos merecem especial atenção quando se trata de defender as ações do ex-juiz Sérgio Moro, na Lava Jato, i) os fins justificam os meios, ii) ele não cumpriu a lei por um bem maior, prender bandidos e corruptos. São argumentos simplistas que revelam apenas o desprezo pelo estado democrático de direito, entendido como o conjunto de princípios, premissas, diretrizes e dispositivos legais que garantem os direitos fundamentais de todo cidadão. Os governantes – todos eles – devem zelar pelo cumprimento desse arcabouço jurídico.
Não! Os fins não justificam os meios e não se pode atacar o estado democrático de direito para prender alguém de quem não se gosta. A lei é para todos (é mesmo?) e os ritos legais devem ser obedecidos. Não defenda para os outros o que você não quer para você. A lei está errada e não funciona? Deve-se lutar para mudá-las e não ignorá-las. Imagine se cada juiz resolve fazer o que quiser quando for julgar algo ou alguém?
Nenhum juiz ou procurador podem – em nome de um bem maior – descumprir a legislação. Juiz e procurador que não cumprem a lei tornam-se tão bandidos quanto os que dizem combater. Não há diferença entre os criminosos. O que difere é a pena conforme o tipo de crime. Por isso, não existe criminoso de bem. No estado democrático de direito, a diferença entre o agente da lei e o bandido é que o primeiro deve cumprir a legislação. O resto é polarização política, ou seja, defende-se o bandido pelo qual se nutre estima ou ataca-se o bandido pelo qual se nutre ódio. E isso faz bem a ninguém.
NOTA
Esse texto foi produzido antes da operação da Polícia Federal (PF), desta terça (dia 23), que prendeu quatro supostos hackers que teriam invadido celulares, com a possibilidade de associá-los aos jornalistas do The Intercept. PF comandada pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Em se confirmando a associação dos hackers aos jornalistas, mais grave ainda a situação. Moro, ao ser implicado no conteúdo dos vazamentos, opera o Estado contra a liberdade de imprensa? Não se investiga o conteúdo das conversas e cria-se uma cortina de fumaça com os supostos hackers? O Brasil decididamente não vive a plenitude do seu estado democrático de direito.