É possível contar 110 anos de história da comunidade japonesa no Brasil em uma tarde? Seguramente, não. Porém, é possível homenagear a história de vida daqueles que deixaram sua terra natal em busca de oportunidades em solo brasileiro. E essas histórias de vida, consequentemente, misturam-se à história da construção do nosso país.
Em vista disso, ocorreu em Londrina (PR), no último sábado (16/06), uma tarde cultural no espaço da Infraero, no aeroporto Governador José Richa, para relembrar a chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao Brasil. A promessa de trabalho nas lavouras de café, motivada pelo Tratado de Amizade entre Brasil e Japão, fez cerca de 780 japoneses desembarcassem do Kasato Maru no porto de Santos, no dia 18 de junho de 1908. Muitos deixaram para trás suas casas e suas famílias, mas não esqueceram da onde vieram.
O evento foi organizado por Leonilda Yvonneti Spina, titular da cadeira nº. 4 da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina. Esteve presente também o Dr. Luis Parellada Ruiz, que fez uma reprodução minuciosa em papel do navio Kasato Maru, a pedido do antigo Banco América do Sul. Os detalhes da réplica e o material em que foi feita chamaram a atenção do público presente e emocionou os que, de certa forma, sentem-se ligados aos primeiros imigrantes.
A empresária Yda Katsumi Masaki cantou e encantou com sua voz e suas vestes tradicionais japonesas. Ela conta que faz parte da 2ª geração de japoneses, os Nisseis. “Vi minha mãe cantar até os 89 anos e sempre me emocionei. Um dia perguntei a ela se eu conseguiria cantar, já que eu estava com 50 anos. Ela disse que nunca era tarde para começar e que só bastava praticar. Então, retomei os estudos de piano que havia largado para cuidar de 4 filhos e passei a cantar em concursos e festivais. Hoje sou premiada nacional e internacionalmente e sinto muito orgulho disso. Nunca é tarde para começar!” Diz Yda.
Talvez essa disciplina e dedicação que Yda demonstra estejam em seu sangue. Ela cantou Sayonara e Tsugaro No Furusato, canções que, embaladas por belas melodias, contam a história dos que deixaram sua terra natal e sofrem com a saudade. Ainda que o idioma seja totalmente diferente, é possível perceber a intensidade e a emoção depositadas pela cantora em cada palavra, cada pronúncia.
As diferenças entre Brasil e Japão não estão apenas no idioma e na escrita. Os costumes também são muito diferentes, diria que até opostos. Enquanto somos muito afetivos, no país do sol nascente a discrição prevalece. Mas, hoje em dia, adotamos elementos da cultura japonesa que nem mesmo sabemos que vieram de tão longe. É o que conta a Professora Estela Okabayashi Fuzii, diretora do Núcleo de Estudos da Cultura Japonesa da Universidade Estadual de Londrina (UEL): “Na literatura apreciamos muito o Haikai, mas poucos buscam saber como ele surgiu. Acontece o mesmo na gastronomia. Vamos em alguma churrascaria e em meio aos pratos brasileiros, sempre têm sushis, sashimis, etc. Sabemos que são pratos japoneses, mas não do que e como são feitos”.
Estela foi a primeira filha de imigrantes a nascer em Londrina. Sua palestra na tarde cultural tinha como título “Harmonia dos Contrários”, e buscava mostrar que a cultura dos países é sim diferente. Mas não tão distante. “Hoje lá no Japão as pessoas se vestem como no Ocidente. A comida, as artes e os gostos ocidentais também já aparecem muito por lá. E o mesmo acontece aqui. Muitos brasileiros se interessem por mangás, animês e pela música japonesa, mesmo que eles nem tenham descendência” relatou Estela.
O distanciamento das novas gerações com o idioma é algo que causa desconforto. A professora diz que na UEL, a turma que estuda japonês é composta 50% por Nikkeis e 50% por brasileiros sem descendência japonesa. Levando em consideração que a comunidade japonesa em Londrina (PR) é grande, realmente a procura para aprender o idioma é baixa. “Depende muito da família também, muitos pais não incentivam seus filhos a falar japonês, o que é uma pena”, pontuou.
A preocupação agora é preservar a cultura japonesa para que as próximas gerações sintam orgulho de sua descendência. A estudante de psicologia Verônica Gundi, 20, acha importante o contato com elementos da cultura nipônica. “Apesar de eu ter contato com a cultura, eu percebo que algumas características, alguns costumes marcantes já não estão em mim como estavam nos meus pais quando eles tinham a minha idade, porque foram se perdendo com o tempo. Então é muito importante os descendentes terem contato sim, porque é uma cultura muito rica e que deve ser preservada” contou.
Existem diversas formas de manutenção e preservação da cultura e da memória japonesa. Um exemplo é o Bon Odori – dança que simula o trabalho braçal dos antepassados japoneses. A professora aposentada Kiyomi Yamada participa do grupo que dança o Bon Odori em Londrina (PR), justamente com essa intenção. Além disso, em 2015, publicou o artigo “Minha vida, nossa vida: O presente, o passado e o futuro”, no qual relata a migração de seus avós maternos ao Brasil, através da memória de sua mãe Sizuyo.
Nós brasileiros – principalmente nós que vivemos no Norte do Paraná – somos contemplados por termos contato direto com uma cultura tão rica e que muito tem a nos ensinar. Valores como respeito, disciplina e educação são traços fortes da cultura japonesa e que aos poucos fomos adotando aos nossos costumes, na medida que nossos aspectos históricos permitiram. Por isso, também é nosso dever lutar para que a cultura japonesa se mantenha viva, ativa e presente não só na vida daqueles que tem ligação direta ao Japão. E que nesses 110 anos da imigração, celebremos juntos nossas diferenças e nossas harmonias.
Por: Jair Segundo