A chegada do novo ministro da Saúde, Nelson Teich (foto), que substitui Luiz Henrique Mandetta, já está marcada pela polêmica, a partir de um vídeo no qual o médico aborda escolhas de um gestor, apontando a falta de recursos para salvar dois pacientes: um idoso e um adolescente. Sobre essa fala do ministro – quando ainda não era ministro – algumas provocações para reflexão.
i) Todo gestor, seja qual for a área, faz escolhas. A fala de Nelson Teich sobre salvar o idoso ou o adolescente não choca pela escolha baseada na idade, que pode ser um critério técnico. Essa fala choca pela frieza do médico, pela falta de emoção diante do dilema de escolher quem morre, pelo calculismo da decisão e por suas consequências. Deve viver, para ele, o adolescente que tem a vida pela frente.
ii) Pensemos o que é ter uma vida pela frente, a partir da perspectiva de um homem branco e rico. O adolescente vai viver para concretizar seus sonhos, realizar seus projetos? Ou o adolescente deve viver para virar mão de obra em um sistema, cujos gestores pensam mais na saúde da economia e menos na saúde humana? Por acaso, a cor da pele, a orientação sexual, o poder aquisitivo desse adolescente influenciariam as respostas dessas duas perguntas?
iii) A idade é um critério técnico importante e até mesmo objetivo, mas pode ser usada sozinha na decisão de quem vive e de quem morre? Qual o estado de saúde dos dois pacientes? O perigo é a objetividade do critério resvalar em percepções morais, que são subjetivas. E se o adolescente for trans? E se o idoso for o pai de um amigo do médico? E se o adolescente for negro e da periferia? E se o idoso for membro do clube do dono do hospital? Todo protocolo, por mais objetivo que seja, acaba permeado pela subjetividade de quem o executa.
iv) Gestores da saúde aplicam o tempo todo suas escolhas por falta de investimentos na saúde, mas não investir nesse setor também é uma escolha política, uma decisão de gestão. Em 2016, depois da derrubada da presidenta Dilma Rousseff, com a tomada de poder por Michel Temer, o Congresso Nacional aprovou uma proposta de emenda constitucional (PEC), que congelou os investimentos públicos por 20 anos. Lembram-se disso? Aquela proposta cobra a sua conta agora, no SUS, durante a pandemia de COVID-19.
v) Vale rememorar alguns dos deputados federais e senadores à época, que aprovaram o congelamento de investimentos. Muitos dos quais, hoje, estão em cargo de gestão federais ou estaduais, na linha de frente (ou de costas) para o combate à pandemia provocada pelo coronavírus. Entre os deputados, Luiz Henrique Mandetta, Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, Rodrigo Maia e Bruno Covas. O então senador Ronaldo Caiado também votou por congelar investimentos públicos. Não transformemos em heróis da pandemia quem sempre atuou como vilão das políticas públicas.
vi) Luiz Henrique Mandetta foi alçado à condição de herói, mas seu passado condena. Em 2019, ele implantou medidas que afetaram seriamente o funcionamento do SUS e, agora quem o aplaude, não o vaiou. Para citar um exemplo, a mudança nas regras de financiamento da atenção básica, prejudicando ações de prevenção e promoção da saúde. Mandetta seguia a cartilha pela qual reza todo o governo federal. Mais economia. Menos gente. Esse discurso de que médico não abandona paciente comove por causa do isolamento. Afinal, com suas medidas durante o ano passado, o médico Mandetta já havia abandonado muito paciente à própria sorte.
vii) O médico Nelson Teich construiu seu currículo em cima de uma vida empresarial explorando serviços de saúde. Sua formação passa longe da defesa de um sistema público e de qualidade. Ele é uma escolha pessoal e ideológica do presidente da República. E dizem por aí, que basta torcer para dar certo, né! Nelson Teich é o homem certo, na hora certa, no lugar certo, como foi Mandetta. O problema é que Bolsonaro é o governo errado, na hora errada. Esse é o preço a ser pago por outra escolha: a das urnas.