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A portaria do Solar Lalique é ocupada pela alegria

Experimente ir além do cumprimento

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“A foto ficou bala em, só faltou fazer a barba” – Rogério Antônio

“E aí Dona Cleusa, e a diabetes?”, “Oi Sr. Rogério, ta melhorando”, “Tá tomando o remédio?”. Quando ouvi essa conversa, soube que tinha escolhido o homem certo para estar nessa reportagem. Rogério Antônio Soares, 60, porteiro do prédio Solar Lalique há 1 ano e 4 meses. Dono do primeiro e mais sorridente “bom dia” que os 396 moradores recebem. Considerado como pai pela zeladora Iracema, professor do Horandir, porteiro de outro turno, e o “avô dos sonhos” da Karla, moradora do prédio.

O ambiente de trabalho do Sr. Rogério é bem agitado, das 6 da manhã às 2 da tarde. Engana-se quem acha que sua função é só controlar a porta. Cada mudança que acontece no ambiente fica registrada. Faz a verificação das bombas d’água do prédio a fim de evitar problemas, por exemplo. O diálogo: “Bom dia Sr. Rogério, a chave da academia por favor”. “Pra que você quer?”. Ele é responsável também pelas brincadeiras que alegram ou constrangem os moradores. Miriadney, 14, moradora, o define como “falador um pouquinho, né?!”. Quando a adolescência e a pressa passar, é provável que Miriadney sinta falta de conversas simples como essa.

Para a equipe de trabalho composta por Iracema, Horandir, Soeli e Franciele, quando questionada sobre o que o Sr. Rogério tem de diferente em comparação aos demais, a primeira resposta foi “a barriga”, todos caíram na gargalhada. Educado, de confiança, uma pessoa alegre, um dos melhores. Faltaram palavras para descrever tudo aquilo que o Sr. Rogério realmente demonstra ser.

Carol, 32, filha do Sr. Rogério e mãe dos seus dois netos, também é morada do Solar Lalique e fez questão de falar sobre o pai. “Às vezes a gente trazia o troco errado e ele nos fazia devolver”. Herói, prestativo. “O caráter que ele me formou, eu tento formar os meus filhos”.

Quem ouve tudo isso de sua filha e recebe o carinho do Sr. Rogério, não imagina pela fase difícil que ele passou em São Paulo. Ergue a calça, coloca os óculos na ponta do nariz. “Foi muito difícil pra mim, me envolvi com drogas, bebia muito. Se não tivesse vindo para Londrina, teria morrido”. Ergue a calça, tira os óculos. Os olhos divagam rapidamente pela cabine da portaria fechada. “É um período que eu gostaria de apagar da minha vida, mas superei graças a ajuda da minha mulher”. O arrependimento ocupa cada milésimo do silêncio. A verdade também. Em meio a tantos elogios, ele não precisava falar a respeito de um erro na sua vida, mas Sr. Rogério odeia mentiras e falsidade, inclusive esse foi o motivo que o fez desistir do curso de Direito no segundo ano: ele não queria mentir para salvar a pele de ninguém.

Paulistano, já foi office boy, trabalhou na Receita Federal, Prefeitura de São Paulo, vendedor de seguros e, por conta da necrose asséptica, porteiro. Apesar de ter sido sua última opção, ele trabalha como se fosse o melhor emprego do mundo.

Mesmo com a constante dor no quadril, Sr. Rogério não deixa de levar sua positividade para todos que estão ao seu redor. Seu sonho é morar na praia, mas enquanto isso não se realiza, ele ensina ao Solar Lalique que não é preciso ter vínculo sanguíneo para se importar com o outro e que sempre existe lugar para a humildade e a solidariedade. “E aí Sr. Rogério como tá a perna?”, “Tá indo dona Cleusa, e a diabetes?”.

 

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