O presidente Jair Bolsonaro está obrigado pela Justiça Federal a apresentar o resultado do exame que fez para Covid-19, doença causada pelo coronavírus. O jornal O Estado de São Paulo conseguiu decisão judicial que obriga o presidente a mostrar os resultados. Há algumas semanas, ele fez dois testes para coronavírus e diz que deram negativos para a doença. O presidente não respeita o isolamento social, foi a duas manifestações contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (15/03 e 19/04) e, rotineiramente, se aglomera com apoiadores.
Bolsonaro diz que a Advocacia-Geral da União (AGU) deve recorrer dessa decisão. Ele argumenta que tem direito à intimidade e, por isso, não revelar os exames. Hoje pela manhã, ele fez uma declaração, que merece reflexão. “Você sabe que nós dois tivermos com uma doença grave nós não somos obrigados a divulgar o laudo. Isso é uma lei. E a lei vale pra todo mundo, tá ok? A AGU deve ter recorrido, e se nós perdermos o recurso, daí vai ser apresentado. E vou me sentir violentado. A lei vale para o presidente e para o mais humilde cidadão brasileiro.”
A lei vale para todos sim, presidente, mas existe uma diferença gigantesca entre o resultado de um exame do chefe do Executivo e o mais humilde cidadão: o interesse público. A saúde, o comportamento e a palavra de um presidente são de um presidente e não de um cidadão comum. Muito dinheiro público, inclusive o dos impostos do mais humilde cidadão – banca a estrutura – benefícios, vantagens e privilégios – do presidente da República. Ele não ocupa o cargo como cidadão comum.
O presidente da República é presidente 24 horas. Tanto que ele e sua família têm um Palácio – o Alvorada – para morar, onde cerca de 20 funcionários fazem a manutenção diariamente. A revista Veja revelou, em dezembro último, que Bolsonaro tem até provador de comida, por questão de segurança. Além disso, ele é escoltado por uma equipe composta por vários homens que o protege dia e noite. Depois de terminado o mandato, ele terá direito a carro com motorista e dois assessores. Tudo é bancado com dinheiro público, ou seja, do cidadão comum.
Além disso, o presidente da República tem direito aos cartões corporativos, uma espécie de cheque em branco para gastos diários. Ao todo, são três cartões para pagamento de despesas ordinárias. Todos os presidentes da República, no exercício do cargo, usam esse recurso. Conforme o Correio Braziliense, em dezembro passado, “segundo dados do Portal da Transparência do Governo Federal, a Presidência desembolsou, na gestão de Jair Bolsonaro, R$ 14,5 milhões com cartões corporativos.”
Afirmado isso tudo como argumento para sentenciar: o presidente da República não é um cidadão comum e, portanto, não pode arrogar para si a lei comum quando lhe interessa; e arrastar para si os benefícios do cargo quando lhe são convenientes. O cargo exige 24 horas do presidente e ele tem benefícios, recursos financeiros e materiais – igualmente – 24 horas. Portanto, o interesse coletivo que ronda o presidente difere do cidadão comum, humilde ou não.
Quando Bolsonaro afirma que vai se sentir violentado – se tiver de revelar o resultado do exame para Covid-19 – faz chantagem emocional (nem vale a pena discutir traços de infantilidade da personalidade) e mais uma vez joga a bola para a torcida, que se comporta de forma ensandecida. Quantas vezes o brasileiro se sentiu violentado com declarações e atitudes do presidente?
i) Quem se se sentiu violentado quando Jair Bolsonaro disse que não é coveiro para falar sobre as mortes decorrentes da infecção por coronavírus?
ii) Quem se sentiu violentado quando Jair Bolsonaro defendeu que a economia não pode parar por causa de uma gripezinha?
iii) Quem se sentiu violentado quando o governo de Jair Bolsonaro foi rápido para liberar R$ 650 bilhões para o sistema financeiro e lento para liberar R$ 600,00 do auxílio emergencial?
iv) Quem se sentiu violentado quando o governo de Jair Bolsonaro passou a votar com ditaduras na Organização das Nações Unidas, por alinhamento automático aos EUA?
v) Quem se sentiu violentado com o aparelhamento estatal pelo governo de Jair Bolsonaro por gente religiosamente fanática, que nega a ciência, que acredita na terra plana e que sabota as políticas públicas?
vi) Quem se sentiu violentado quando o governo de Jair Bolsonaro atacou as universidades, cortou recursos para a pesquisa científica?
vii) Quem se sentiu violentado quando o governo de Jair Bolsonaro atacou a aposentadoria com a reforma da Previdência Social?
viii) Quem se sente violentado quando o governo de Jair Bolsonaro ataca o funcionalismo público e, em plena pandemia de Covid-19, cria caso com governadores e ministros por mero ciúme?
O governo federal e o presidente Jair Bolsonaro violentam o Brasil sistematicamente. E o pior, muitos violentados – ainda – aplaudem.